segunda-feira, setembro 29

‘O autoritarismo teme as mulheres’, diz Lula, na abertura da 5ª Conferência

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no início da Conferência Nacional de Política para as Mulheres. Lula disse que “golpe” contra Dilma Rousseff marcou início de período em que tentaram calar as mulheres

Ao discursar na abertura da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, nesta segunda-feira (29/9), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou que a conferência anterior foi marcada pelo que chamou de golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. Lula disse que aquele momento representou o início de um período marcado por diretrizes machistas emanadas do governo central, nos dois mandatos que se seguiram.

Lula disse que o autoritarismo, raiz do golpe, tem medo das mulheres.

O golpe contra a presidenta Dilma Rousseff serviu não apenas para derrubar a primeira mulher a governar esse país. Foi também a tentativa de calar milhões de vozes femininas. Porque o autoritarismo não apenas odeia – ele também teme as mulheres”, disse o presidente.

“Estruturas de proteção foram desmontadas. Discursos preconceituosos, violentos e carregados de ódio ecoaram do mais alto escalão da República, e fizeram das mulheres um de seus alvos preferidos”, prosseguiu Lula.

Antes do discurso de Lula, a ex-presidenta Dilma Rousseff falou, em vídeo, desde a sede do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco do Brics, da qual é presidenta

Luta que vem de longe

Antes do discurso formal, Lula lembrou ter organizado, em 1978, um congresso de mulheres metalúrgicas, quando ele era dirigente do sindicato da categoria, em São Bernardo do Campo (SP). O presidente disse que, de mais de 800 inscritas para o encontro, 350 compareceram. As demais, segundo Lula, sofreram ameaça de demissão das fábricas em que trabalhavam.

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Lula disse que a principal reivindicação daquele congresso metalúrgico foi a igualdade salarial entre mulheres e homens que exerciam as mesmas tarefas. Lula então disse que ele promulgou uma lei, em 2023, que estabelece essa igualdade, mas que muitas empresas ainda não a cumprem.

“Essa luta ainda vai longe”, disse.

Leia o discurso:

“É com muita alegria que participo desta celebração, que marca o retorno das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres.

Esta quinta conferência acontece após um intervalo involuntário – simplesmente de dez anos.

Dez anos de retrocessos em tudo o que havíamos conquistado.

Dez anos de repetidas tentativas de calar a voz das mulheres.

De institucionalizar o silêncio que as mulheres enfrentam todos os dias – em casa, no trabalho, em todos os ambientes em que lutam para serem ouvidas.

Quantas vezes vocês foram interrompidas ou caladas por homens que se julgam mais inteligentes, mais sábios e mais entendidos em qualquer assunto.

Quantas vezes foram obrigadas a expor suas ideias e opiniões de um fôlego só, sem pausa para respirar, para não serem cortadas no meio do raciocínio.

Por isso, esta conferência é também um grito contra o silêncio.

Um grito pela liberdade das mulheres falarem o que quiserem, quando quiserem e onde quiserem.

Não há democracia plena sem a voz das mulheres. De todas as mulheres.

Pretas, brancas, indígenas.

Do campo e da cidade.

Trabalhadoras domésticas, empresárias, profissionais liberais.

Que trabalham fora ou se dedicam a cuidar da família.

Mulheres que cumprem dupla jornada de trabalho, às vezes até tripla jornada de trabalho.

As mães-solo. As avós que cuidam dos netos sozinhas.

Mulheres que se mobilizam e vão às ruas lutar não apenas pelos seus direitos, mas também em defesa da democracia e contra todas as formas de injustiça nesse mundo.

Mulheres que nunca se calaram.

Mulheres que nunca tiveram voz – e que por isso mesmo merecem ser ouvidas com toda atenção.

Queridas companheiras e companheiras e companheiras,

Meu compromisso com as mulheres vai além da condição de presidente da República.

Sou, antes de tudo, filho da Dona Lindu. Uma migrante sem formação escolar nem rede de apoio, que se rebelou contra a violência doméstica e decidiu criar sozinha oito filhos.

A recusa de Dona Lindu em aceitar o desrespeito e a violência marcou profundamente e por toda a minha vida.

Foi com esse exemplo que, ao assumir a presidência em 2003, decidi criar pela primeira vez na história uma secretaria dedicada às políticas públicas para as mulheres.

Na época, um verdadeiro marco na conquista de direitos.

Mas alguns anos depois, o Brasil e as mulheres sofreram um duro retrocesso.

O golpe contra a presidenta Dilma Rousseff serviu não apenas para derrubar a primeira mulher a governar esse país.

Foi também a tentativa de calar milhões de vozes femininas. Porque o autoritarismo não apenas odeia – ele também teme as mulheres.

Estruturas de proteção foram desmontadas. Discursos preconceituosos, violentos e carregados de ódio ecoaram do mais alto escalão da República, e fizeram das mulheres um de seus alvos preferidos.

Quando recuperamos o governo, em 2023, criamos o Ministério das Mulheres. Aprovamos a Lei de Igualdade Salarial. Criamos programas de combate ao feminicídio e a todas as formas de violência contra as mulheres.

Trouxemos de volta políticas de inclusão social e criamos novas iniciativas, a exemplo do Programa de Dignidade Menstrual. Para que nenhuma menina seja impedida de ir às aulas por falta de acesso aos absorventes.

Mas nada disso nasce por geração espontânea ou por concessão de governo.

Vocês nunca receberam nada de mão beijada.

Todos as conquistas foram o resultado de muita luta ao longo da história e da vida de vocês.

Do direito ao voto até a construção de espaços de diálogo e articulação com o governo, a exemplo desta conferência.

Tudo isso existe porque vocês lutaram e foram capazes de construir.

É verdade, avançamos muito, mas ainda há muito a ser feito, há muito a ser conquistado.

Sabemos também que esses avanços não chegam a todas as mulheres por igual.

É preciso vencer as barreiras impostas pelas diversas formas de desigualdade.

Desigualdade social, de raça, de acesso à educação, à saúde e ao trabalho digno.

Desigualdade na autonomia sobre seus corpos e no direito de dizer “Não”.

Por isso, priorizamos as mulheres nas políticas de inclusão social.

Hoje, as mulheres são 84% dos beneficiários do Bolsa Família, 63% da população atendida pelo Farmácia Popular, 85% dos beneficiários da linha subsidiada do Minha Casa, Minha Vida, 65% entre estudantes bolsistas do Prouni, e 59% das matrículas na educação superior.

Somente com pluralidade e transversalidade seremos capazes de construir políticas públicas que respeitem e acolham todas as formas de viver e existir.

Somente quando construídas de forma compartilhada, essas políticas serão capazes de contemplar as diversidades e particularidades que marcam a vida de mais de 100 milhões de brasileiras.

Por isso, a importância do pacto federativo.

Uma política pública capaz de gerar bons resultados depende da articulação entre União, estados e municípios.

Cada prefeita ou cada prefeito, cada governadora ou cada governador são peças fundamentais nessa caminhada.

Queridas companheiras e companheiras,

Ao longo da história, as mulheres sempre tiveram muito o que ensinar ao mundo.

Felizmente, o Brasil recuperou a capacidade de ouvi-las.

Eu poderia concluir homenageando as grandes mulheres que marcaram e ajudaram a mudar a história do Brasil.

E que mesmo diante da invisibilidade e da falta de oportunidades conseguiram romper barreiras.

Todo mundo sabe. Maria Filipa, Maria Quitéria e Joana Angélica, no famoso 2 de julho na Bahia, que ajudaram a consolidar definitivamente a independência do Brasil.

Chiquinha Gonzaga, que abriu alas para as mulheres na música, ao se tornar a primeira regente feminina de uma orquestra no Brasil.

Maria Carolina de Jesus, que se tornou uma das principais vozes da literatura negra brasileira, ao escrever do ponto de vista de um quarto de despejo.

Nísia Floresta, pioneira no ensino para meninas, criticada pelos que consideravam sua proposta educativa inadequada para crianças do sexo feminino.

Bertha Lutz, fundamental na conquista do voto feminino e na inclusão das mulheres na ciência e na política.

Lélia Gonzalez, ativista, filósofa e antropóloga, referência nos debates de gênero, raça e classe no Brasil e na América Latina.

Nossa rainha Marta, que não deu ouvidos quando lhe disseram que lugar de mulher não é dentro de um campo de futebol – e se tornou a melhor jogadora do mundo.

Ana Maria Magalhães, autora de “Um defeito de cor”, primeira mulher negra eleita para a Academia Brasileira de Letras.

E a nossa querida Marta Suplicy, que desafiou o conservadorismo ao levar a sexualidade feminina para a televisão brasileira, no final dos anos 70 e começo dos anos 80.

É preciso homenagear todos os dias essas e tantas outras grandes mulheres da nossa história.

Mas eu quero terminar homenageando todas vocês que estão aqui e também as que não puderam estar aqui.

Em nome de vocês, homenagear cada mulher brasileira.

Mulheres anônimas, que, com trabalho, dedicação, inteligência, talento e espírito de luta ajudam a fazer do Brasil um país mais desenvolvido, menos desigual e mais generoso.”witCompartilhe porCompartilhe por WhatsApplink para Copiar para área de transferência

Crédito: Agência Gov

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