segunda-feira, outubro 13

Elas reciclam o Círio: fé, força e sustentabilidade nas ruas de Belém

Durante o Círio de Nazaré, quando milhões de pessoas tomam as ruas de Belém/PA movidas pela fé, outro grupo de mulheres também cumpre um trabalho essencial: o de manter a cidade limpa e sustentável. São as catadoras que participam do EcoCírio, uma ação que une fé, trabalho, renda e compromisso ambiental.

“Esse é o terceiro ano que trabalho na coleta de recicláveis no Círio. E hoje, além de trabalhar, eu vou pagar uma promessa também”, conta Ilcara Sacramento, que atua há 13 anos da Cooperativa Filhos do Sol. “O trabalho é cansativo, mas satisfatório. É daí que eu levo meu sustento pra minha casa, pra minha família”, conta.

As catadoras estão presentes em todo o trajeto da procissão, recolhendo resíduos, separando materiais e dando o destino correto ao que poderia virar lixo. “Nós, catadores, tiramos o resíduo do chão para que os fiéis possam caminhar com segurança. Esse trabalho gera emprego, renda e sustentabilidade”, explica Nádia da Luz, da cooperativa COCAVIP, que atua há 35 anos na profissão. “Tenho muito orgulho de ser mãe solo, ser periférica, ser negra e ser catadora. Hoje sou uma liderança da nossa categoria no Norte, e ver o nosso trabalho reconhecido aqui no Círio é uma alegria enorme”, complementou.

Para Ana Letícia de Sousa Lopes, da cooperativa Concaves, o trabalho também é uma forma de mudar percepções. “Antes de entrar na cooperativa, eu tinha um certo preconceito. Mas quando conheci o trabalho, vi a importância do catador. A gente está, literalmente, em tudo: no Círio, no Carnaval, em muitos eventos que a população nem sabe”, diz. Ela resume sua experiência em uma palavra: “Mudança. Porque a gente trabalha para melhorar a cidade, para que a população nos veja com respeito e dignidade”.

Coordenadora na Ascamos, Gleice Kelly Ferreira participou da coleta de recicláveis no Círio pela primeira vez neste ano. “Ser catadora, pra mim, é uma forma de ajudar o meio ambiente. Todo dia é um leão que a gente tem que matar pra poder sobreviver”, conta Gleice, complementando que um dos maiores desafios de ser mulher catadora é o machismo. ” Achar que mulher não pode isso e aquilo. Mas a gente vem desconstruindo o machismo. Mulher pode estar onde onde quiser, aonde for. E todo mundo tem que manter o respeito”, afirma.

A veterana Lourdes Santos, de 71 anos, também da Concaves, reforça a importância de cuidar do planeta. “O mundo está precisando que a gente cuide dele, né? Porque eu vejo as coisas que estão acontecendo — incêndio, muita chuva, ou chuva de menos. Então a gente precisa cuidar, retirar o lixo, separar o material reciclável do meio ambiente”, conta Lourdes. Ela relata com orgulho que foi o trabalho como catadora que ajudou a formar sua filha em Serviço Social. “Esse trabalho me deu dignidade. Tudo o que tenho veio dele”, resume.

Parceria fortalece protagonismo das mulheres catadoras

O EcoCírio conta com o apoio do Ministério das Mulheres, da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) e do Sebrae, por meio do Programa Pró-Catadoras e Pró-Catadores de Reciclagem Popular. A iniciativa engloba 10 cooperativas e cerca de 200 catadoras e catadores que atuam em todo o percurso das procissões e nas áreas de concentração de público, garantindo que toneladas de resíduos tenham o destino correto.

Segundo Josiane Lisboa, coordenadora do EcoCírio, o trabalho tem apresentado resultados expressivos e crescentes. “No ano passado coletamos 140 toneladas nos dois dias de procissão – Trasladação e Círio, mas esperamos que seja mais este ano”, afirma.

A diretora de Segurança de Trabalho e Renda da Secretaria Nacional de Autonomia Econômica e Política de Cuidados do Ministério das Mulheres (Senaec/MMulheres), Liliani Nascimento, destaca que o EcoCírio integra uma agenda mais ampla de valorização das catadoras e de fortalecimento da economia do cuidado. “O Ministério das Mulheres, por meio da Senaec, vem realizando um trabalho com as mulheres catadoras porque reconhece nessa categoria, além da importância do trabalho para a autonomia econômica, também a necessidade de implementação de políticas públicas que promovam dignidade a essas mulheres — que tenham condições dignas de trabalho, mas que também consigam acessar direitos básicos de cidadania, saúde e educação”, destaca a diretora da Senaec.

Liliani reforça que a presença da equipe no EcoCírio é parte desse compromisso de acompanhamento direto e escuta ativa. “É necessário que acompanhemos de perto como realizam seu trabalho, em quais condições estão, e que realizemos escuta ativa para entender suas necessidades. O trabalho no EcoCírio é fundamental para garantir renda extra, mas também apresenta para a sociedade a importância que essa categoria representa na preservação ambiental”, destaca a diretora da Senaec.

“O Cirio é um mega evento que deixa muito evidente a importância do trabalho das catadoras de recicláveis que prestam um serviço fundamental para a sociedade.  É importante que as mulheres que atuam na coleta e  reciclagem sejam reconhecidas e valorizadas”, acrescenta Katharina Bohl, diretora de projetos da GIZ Brasil.

Fórum de participação social e comitê interministerial

Além de apoiar ações como o EcoCírio, o Ministério das Mulheres coordena, junto a catadoras de todo o país, o Fórum Nacional de Mulheres Catadoras de Materiais Recicláveis. O espaço de participação social reúne lideranças que atuam na gestão de cooperativas e movimentos de base, discutindo políticas públicas, condições de trabalho, saúde e reconhecimento profissional.

Por meio do Fórum, o Ministério busca construir políticas integradas de igualdade de gênero, inclusão produtiva e autonomia econômica, fortalecendo o protagonismo das mulheres na reciclagem e no enfrentamento das desigualdades.

A pasta também integra o Comitê Interministerial para Inclusão Socioeconômica de Catadoras e Catadores de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis (CIISC), coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência da República.

O trabalho realizado em Belém é um exemplo de como políticas públicas e parcerias internacionais podem valorizar profissões historicamente invisibilizadas, promovendo dignidade, renda e cuidado com o meio ambiente.

Mulheres e justiça climática

A atuação das catadoras no EcoCírio também dialoga com o Plano de Ações Integradas Mulheres e Clima , lançado pelo Ministério das Mulheres em setembro de 2025. O Plano reúne 10 ações estratégicas voltadas à incidência qualificada na agenda da COP30 , com enfoque transversal na promoção da igualdade de gênero, na justiça climática e na valorização dos saberes e experiências das mulheres, em toda sua diversidade.

Ao fortalecer o trabalho das catadoras, o Ministério das Mulheres reafirma que não há justiça climática sem justiça de gênero, e que as mulheres, especialmente as que atuam nas bases comunitárias, são protagonistas da transição ecológica justa e sustentável.

Crédito: Agência Gov

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