
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, aponta queda em 2024 em relação a 2016, início da série. 54,1% das crianças e adolescentes ainda nessa situação realizam afazeres domésticos e cuidado de pessoas
Entre 2016 e 2024, no Brasil houve queda de 21,4% na quantidade de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. No ano passado, o País tinha 1,650 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos no mercado, o que representa 4,3% da população nessa faixa etária.
Onde persiste, o trabalho infantil é maioria nas residências. Mais da metade das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (54,1%) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidados de pessoas.
Os dados, divulgados hoje (19) pelo IBGE, são do módulo experimental de Trabalho de Crianças e Adolescente de 5 a 17 anos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho infantil é aquele que é perigoso e prejudicial para a saúde e o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere na sua escolarização.
O resultado aponta 34 mil jovens a mais nessa condição em relação ao ano anterior, quando a proporção foi a menor da série histórica (4,2%). Entre essas crianças e adolescentes, 1,195 milhão realizavam atividades econômicas e 455 mil produziam apenas para próprio consumo.
O conceito considera critérios como faixa etária, tipo de atividade desenvolvida, número de horas trabalhadas, frequência à escola, realização de trabalho infantil tido como perigoso e atividades econômicas desenvolvidas em situação de informalidade.
Resumo
- O país tinha 1,650 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil em 2024.
- Entre 2016 e 2024 houve queda de 21,4%. No ano passado, eram 34 mil jovens a mais nessa condição na comparação com 2023, uma variação de 2,1% entre um ano e outro
- O percentual de pessoas em situação de trabalho infantil chegou a 4,3% em 2024, uma oscilação de 0,1 ponto percentual em relação ao ano anterior (4,2%). Em 2022, eram 4,9%, enquanto em 2016, ano inicial da série, eram 5,2%.
- Mais da metade das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (54,1%) realizavam afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidados de pessoas.
- A proporção de adolescentes de 16 e 17 anos em situação de trabalho infantil é a maior entre as faixas etárias, e aumentou de 14,7% em 2023 para 15,3% em 2024.
- Entre as pessoas de 5 a 17 anos de idade em situação de trabalho infantil, 88,8% eram estudantes, frente a 97,5% da população total desse grupo etário.
- A maior diferença na frequência escolar se observa entre adolescentes de 16 e 17 anos: 90,5% frequentavam a escola, enquanto entre aqueles em situação de trabalho infantil, a parcela de estudantes reduz para 81,8%.
- A jornada semanal de pessoas em trabalho infantil aumenta com a idade. Ainda entre adolescentes de 16 e 17 anos, quase metade (49,2%) trabalhava pelo menos 25 horas, sendo que 30,3% trabalhavam por 40 horas ou mais.
- A proporção de adolescentes de 16 e 17 anos na informalidade foi a menor da série histórica (69,4%). Jovens dessa faixa etária na informalidade são considerados em situação de trabalho infantil pela Pnad Contínua, independentemente do tipo de ocupação ou da quantidade de horas trabalhadas.
- Nordeste e Sul tiveram as maiores altas na quantidade de crianças e adolescentes em trabalho infantil em relação a 2023: variação de 7,3% e 13,6%, respectivamente. Já o Norte teve a queda mais intensa, de 12,1%.
- Entre 2016 e 2024, o Nordeste apresentou a maior redução desse indicador (27,1%), enquanto a Região Centro-Oeste foi a única a apresentar elevação do contingente de trabalhadores infantis (7,0%).
- Pessoas pretas ou pardas eram 66,0% da população de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil em 2024, enquanto as brancas representavam 32,8%. A maior parte era do sexo masculino (66,0%).
- O contingente de crianças e adolescentes na Lista TIP, que reúne as piores formas de trabalho infantil, atingiu, em 2024, o menor patamar da série histórica (560 mil pessoas). Esse indicador apresenta trajetória de queda desde 2016.
- Entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em domicílios que recebiam benefício do Bolsa Família, 5,2% estavam em situação de trabalho infantil, proporção um pouco acima do que para o total de pessoas nessa faixa de idade (4,3%). No entanto, ao longo da série da pesquisa, há uma redução mais acentuada do percentual de trabalho infantil entre os beneficiários do programa.
De acordo com o analista da pesquisa, Gustavo Geaquinto, ainda é cedo para afirmar se há uma reversão da tendência de queda no trabalho infantil. “Essa oscilação positiva de 0,1 ponto percentual, em relação a 2023, pode indicar até uma certa estabilidade. Para entendermos se há uma reversão da tendência de queda ou uma estabilização do indicador, será importante termos o resultado do próximo ano.
Ressalta-se, no entanto, que no acumulado do período 2016-2024, foi estimada uma queda importante do contingente de crianças e adolescentes em trabalho infantil”.
A pesquisa mostra um universo maior de 1,957 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos que trabalham em atividades econômicas ou na produção para o próprio consumo. No entanto, nem todas elas são consideradas em trabalho infantil.
“Todas as crianças de 5 a 13 anos que trabalham são necessariamente classificadas na pesquisa como em situação de trabalho infantil. Quanto àquelas de 14 a 17 anos, isso vai depender de alguns fatores, como a frequência escolar, a jornada de trabalho e o tipo de trabalho realizado”, explica Gustavo.
Trabalho infantil cresce entre adolescentes de 16 e 17 anos, e 30% deles trabalham 40 horas ou mais por semana
A proporção de jovens de 16 e 17 anos em trabalho infantil, em relação ao total da população nesse grupo de idade, é a maior entre as faixas etárias da pesquisa, e cresceu de 14,7%, em 2023, para 15,3%, em 2024. Para crianças de 5 a 13 anos e de 14 e 15 anos, esse percentual foi de 1,4% e 6,2%, respectivamente.
Na distribuição da população de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil por faixa etária, mais da metade (55,5%) tinha entre 16 e 17 anos; 22,0%, 14 ou 15 anos, e 22,5% estava entre 5 e 13 anos.
Cerca de 88,8% das crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil estudavam, percentual inferior ao total da população nessa faixa etária que frequentava a escola (97,5%). Essa discrepância é mais intensa para jovens de 16 e 17 anos: 81,8% daqueles em situação de trabalho infantil estudavam, enquanto 90,5% desse grupo de idade frequentavam a escola.
“Entre os mais jovens, de 5 a 13 anos, observa-se a quase universalização da frequência escolar, independentemente da condição em relação ao trabalho infantil. No entanto, os dados da pesquisa revelam maior comprometimento da frequência escolar entre as crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil à medida que a idade avança.
O número médio de horas trabalhadas na semana aumenta com a idade, o que também pode ser um fator que contribui para a evasão escolar nos grupos mais velhos”, ressalta Gustavo.
Entre as pessoas de 16 e 17 anos em situação de trabalho infantil, em 2024, 22,2% trabalharam até 14 horas por semana e quase metade (49,2%), mais de 25 horas, sendo que 30,3% por 40 horas ou mais. Entre os adolescentes de 14 e 15 anos, 41,4% trabalharam até 14 horas e 29,0%, de 15 a 24 horas.
Na faixa etária de 5 a 13 anos, 87,5% trabalharam efetivamente até 14 horas na semana. No total de jovens entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil, 41,1% tiveram jornada de trabalho de até 14 horas semanais, enquanto 19,5% trabalharam 40 horas ou mais.
Dois terços das crianças e adolescentes em trabalho infantil são pretos ou pardos
Dois terços (66,0%) da população de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil é preta ou parda, enquanto as brancas eram 32,8%. Em 2024, 3,6% das crianças e adolescentes declarados brancos estavam em situação de trabalho infantil. Já o percentual de pretas ou pardas era maior, 4,8%.
Os homens eram 66,0% dos trabalhadores infantis, enquanto as mulheres compunham 34,0%. De 2023 para 2024, o contingente de crianças e adolescentes do sexo masculino em situação de trabalho infantil cresceu 5,4%, de 1,033 milhão para 1,089 milhão, enquanto a população feminina nessa condição reduziu 3,9%, de 584 mil para 561 mil.
Nordeste e Sul têm altas expressivas no trabalho infantil; Norte recua 12,1%
As regiões Nordeste (547 mil pessoas) e Sul (226 mil pessoas) apresentaram as altas mais acentuadas no número de pessoas de 5 a 17 anos em trabalho infantil em relação a 2023: 7,3% e 13,6%, respectivamente. Já Sudeste e Centro-Oeste tiveram pequenas oscilações, passando de de 478 mil para 475 mil pessoas, e de 148 mil para 153 mil pessoas, respectivamente.
Já o Norte, com 248 mil pessoas em trabalho infantil, foi a única grande região com queda expressiva (-12,1%) nesse contingente entre 2023 e 2024, apesar de ser a grande região com a maior proporção (6,2%) de crianças e adolescentes nessa situação. Nas demais grandes regiões, a proporção de jovens em trabalho infantil foi a seguinte: Nordeste (5,0%), Centro-Oeste (4,9%), Sul (4,4%) e Sudeste (3,3%).
Frente a 2016, todas as grandes regiões apresentaram queda do total de pessoas em situação de trabalho infantil, exceto a Região Centro-Oeste, com uma variação positiva de 7,0%. Nesse período, o Nordeste apresentou a maior retração (27,1%).
Contingente de pessoas em piores formas de trabalho infantil (Lista TIP) é o menor da série
Em 2024, cerca de 560 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos exerciam piores formas de trabalho infantil, trabalhando em ocupações que fazem parte da Lista TIP. É o menor contingente da série iniciada em 2016, recuando 5,1% em relação a 2023 (590 mil pessoas). Esse número equivale a 37,2% dos 1,503 milhão de crianças e adolescentes que realizavam atividades econômicas. A queda em 2024 ocorre após uma outra ainda mais acentuada, verificada em 2023, quando o total de pessoas na Lista TIP reduziu 22,7% frente a 2022, ano em que havia 763 mil pessoas nessa situação.
“A Pnad Contínua, além de classificar as crianças e adolescente como em situação de trabalho infantil, também identifica se as ocupações por elas exercidas constam da Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, sendo abrangidas nessa lista ocupações identificadas como aquelas que podem trazer maiores riscos ocupacionais e consequentes repercussões à saúde dessas crianças e adolescentes.”, explica Gustavo.
Entre as crianças e adolescentes na Lista TIP, 74,4% eram do sexo masculino e 67,1% eram de cor preta ou parda. Entre a população de 5 a 17 anos que realizava atividades econômicas, as piores formas de trabalho infantil atingem os mais jovens: 60,8% das crianças e adolescentes de 5 a 13 anos de idade que realizavam tais atividades exerciam ocupações na lista TIP. No grupo de 14 e 15 anos, esse percentual foi de 51,8%. Entre os adolescentes de 16 e 17 anos, 30,8% estavam nessa condição.
De acordo com a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Adriana Beringuy, é preciso ressaltar a trajetória de queda de trabalhadores infantis na Lista TIP. “Se a gente olhar desde 2016, podemos observar que a Lista TIP segue uma trajetória de retração. O ponto fora da curva foi 2022. Mas há um percurso de queda”.
Em 2016, havia 919 mil crianças no país exercendo as piores formas de trabalho infantil. Entre 2016 e 2024, houve uma redução acumulada de 39,1% de crianças e adolescentes exercendo ocupações que constavam na Lista TIP.
Desigualdades de rendimento por sexo e cor ou raça se reproduzem entre os trabalhadores infantis
O rendimento médio da população de 5 a 17 anos envolvida no trabalho infantil perigoso (Lista TIP) era de apenas R$ 789 por mês em 2024. Esses ganhos são inferiores a todos os demais grupos de jovens entre 5 e 17 anos: R$ 845 (em situação de trabalho infantil) e R$ 1.083 (não classificados em trabalho infantil). Para o total de pessoas que realizavam atividades econômicas, o rendimento médio foi de R$ 905.
O rendimento médio dos trabalhadores infantis do sexo masculino foi de R$ 924, enquanto os do sexo feminino recebem R$ 693. Entre pretos ou pardos, o rendimento médio era de R$ 789, aumentando para R$ 943 entre brancos. O rendimento médio crescia conforme a idade, partindo de R$ 217, no grupo de 5 a 13 anos, e alcançando uma média de R$ 917 no grupo de 16 e 17 anos.
O rendimento médio dos trabalhadores infantis que eram estudantes é de R$ 785, e de R$ 1.132, para os que não frequentavam escola. De acordo com o analista da pesquisa, essa diferença pode ser um reflexo de disparidades tanto na composição etária entre esses dois grupos como no número médio de horas dedicadas ao trabalho.
Trabalho infantil cai entre os beneficiários do Bolsa Família, mas ainda é superior à média geral
Em 2024, cerca de 13,8 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos residiam em domicílios beneficiados pelo Bolsa Família, o equivalente a 36,3% desse grupo etário.
Entre os domicílios com crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, o rendimento mensal domiciliar per capita dos que recebiam o Bolsa Família (R$ 604) era cerca de um terço do rendimento dos não beneficiados (R$ 1.812).
Entre as crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em domicílios beneficiários do Bolsa Família em 2024, 5,2% estavam em situação de trabalho infantil (717 mil), contra 7,3% em 2016. Para o total de pessoas nessa faixa etária, o percentual passou de 5,2% em 2016 para 4,3% em 2024. “A prevalência do trabalho infantil continua um pouco mais elevada entre os beneficiários do Bolsa Família, quando se compara com o total da população de 5 a 17 anos, mas tem caído de forma mais rápida ao longo da série. Em 2024, a diferença se reduziu para apenas 0,9 ponto percentual”, observa Gustavo.
Ao verificar a condição de estudante, o percentual daqueles entre os trabalhadores infantis que residiam em domicílios beneficiados pelo Bolsa Família (91,2%) era levemente maior em relação ao total de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil (88,8%).
Informalidade entre adolescentes de 16 e 17 anos cai para menor nível desde 2016
Entre os adolescentes de 16 e 17 anos que realizavam atividades econômicas, 69,4% estavam na informalidade, o equivalente a 756 mil jovens. Foi a menor taxa de informalidade da série histórica, que chegou ao auge em 2022 (76,3%). Em 2016, ano inicial da série, a taxa de informalidade desse grupo etário foi de 75,3%. Pessoas dessa faixa etária na informalidade são considerados em situação de trabalho infantil pela Pnad Contínua, independentemente do tipo de ocupação ou da quantidade de horas trabalhadas.
A maior parte das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em trabalho infantil atuavam no Comércio e reparação de veículos (30,2%) ou na Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (19,2%). Alojamento e alimentação respondiam por 11,6%; Indústria geral, 9,3% e Serviços domésticos, 7,1%. Os demais grupamentos somavam 22,7%.
Os trabalhadores infantis estavam, principalmente, em atividades não agrícolas (80,8%), fossem como empregados (64,4%), trabalhadores familiares auxiliares (22,8%) e ocupados por conta própria ou empregadores (12,8%).
Trabalho não isenta crianças e adolescentes das tarefas domésticas
Entre os 37,9 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade do país, 54,1% (20,5 milhões) realizavam afazeres domésticos ou cuidado de pessoas em 2024. A proporção é maior (74,0%) entre jovens que realizavam atividades econômicas. Entre os que não realizavam tais atividades, a proporção era de 53,3%.
“O trabalho em atividades produtivas não poupou boa parte das crianças e adolescentes da realização de afazeres domésticos ou cuidado de pessoas. Entre aquelas que realizavam atividades econômicas, havia maior proporção de pessoas ocupadas com essas incumbências domésticas do que entre as que não realizavam atividades econômicas, sendo essa diferença mais acentuada entre as crianças e adolescentes mais novos”, conclui Gustavo.
Crédito: Agência Gov
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