sábado, outubro 18

Debate: como enfrentar o impacto da mudança do clima no mapa da fome

Painelistas do Encontro Global sobre Empresas Estatais e Ação Climática acentuam dever do Estado em promover resiliência a impactos climáticos e proteger cadeias produtivas de alimentos durante sessão final do evento promovido pelo MGI

O quarto e último painel do Encontro Global sobre Empresas Estatais e Ação Climática, realizado ontem (15/10), no Centro de Pesquisa da Petrobrás, no Rio de Janeiro, abordou a interseção entre ação climática, transição justa e segurança alimentar. O evento foi moderado pela secretária extraordinária de Combate à Fome do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Valéria Burity.

Ao iniciar a sessão, Burity chamou a atenção ao fato de que o Brasil saiu, neste ano, do mapa da fome global: “Em dois anos, a proporção de domicílios em insegurança alimentar grave caiu para 3,2%, com redução em zonas rurais e urbanas”. O país alcançou o menor patamar de pessoas sem acesso adequado à alimentação. Ela advertiu, porém, que o trabalho não acabou e ressaltou a força das empresas estatais no enfrentamento das mudanças do clima, que geram impactos no uso do território e na produção e distribuição de alimentos.

Jean Benevides, vice-presidente de Sustentabilidade e Cidadania Digital da Caixa, destacou que mais de 85% da população brasileira vive em cidades e, nesse contexto, a promoção de moradia digna e de infraestrutura resiliente é essencial. Ele apresentou o exemplo do selo Casa Azul, programa da Caixa que reconhece projetos habitacionais mais sustentáveis. A iniciativa também auxilia na elaboração de linhas de crédito para práticas ecoeficientes.

Em uma transição justa, a preocupação é que as pessoas mais pobres não sejam as primeiras a sofrer e não fiquem desamparadas. O papel estatal é exercer liderança, dando exemplo, induzindo o setor e promovendo inovações”, afirmou Jean Benevides, em fala que marcou o tom do painel.

A pesquisadora Cristhiane Amancio, da Embrapa, ressaltou, em sua participação, que a agricultura não é apenas um setor econômico. “Ela é essencial para a reprodução da vida e não acontece de maneira linear como um processo industrial”. A relação entre segurança alimentar e clima “é um desafio multidimensional” que vai além da descarbonização. Ela defendeu políticas públicas voltadas para a diversificação da matriz alimentar e para o incentivo à adoção de tecnologias que reduzam a dependência de fertilizantes sintéticos e promovam sistemas agrícolas biodiversos.

“Não podemos falar apenas de produzir soja, milho, arroz e trigo. A matriz da nossa dieta precisa ser diversificada, se a gente quer falar em sustentabilidade”, pontuou a representante da Embrapa.

Transição agroecológica

Por videoconferência, a indiana Jayati Ghosh, professora da Universidade de Massachusetts em Amherst (EUA), concentrou sua fala na interação global entre o clima e seu impacto sobre a produção e a segurança alimentar. Ela congratulou o Brasil pelas políticas de segurança alimentar e redução da fome. Lamentou, entretanto, que muitos países, especialmente na África subsaariana, precisam importar alimentos por produzirem apenas cultivos de exportação. “Isso os expõe à especulação de mercados, que agravam crises e aumentam a vulnerabilidade a eventos climáticos, guerras e choques de preço”, explicou.

“Crises agrícolas serão recorrentes e cada vez piores em razão da mudança do clima, num ciclo de desvalorização de moeda, maior dependência da importação e, assim, mais fome. Isso evidencia a importância de uma política pública de abastecimento. Além disso, mercados globais de alimentos não podem ser objeto de especulação, é preciso regulá-los”, defendeu a acadêmica.

Rose Neide de Almeida, diretora administrativa, financeira e de fiscalização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), destacou a atuação da empresa na gestão de estoques reguladores e do apoio à agricultura familiar. Ela enfatizou a importância do planejamento de políticas que garantam abastecimento estável, especialmente em tempos de crise climática, e da necessidade de retomar investimentos em infraestrutura e armazenagem para dar respostas rápidas a eventos extremos. “Hoje a nossa estratégia é que, se houver um desastre, a Conab consiga em até três dias chegar ao local com alimentos”, afirmou a diretora.

Por fim, João Paulo Rodrigues, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), apontou a ausência da figura do agricultor familiar no debate sobre o clima. Ele enfatizou que o cuidado com a natureza deve incluir o protagonismo desses sujeitos e defendeu a construção de uma agenda de democratização das terras, transição agroecológica e desenvolvimento de energias renováveis de modo mais descentralizado e popular, além da revisão dos atuais mecanismos de crédito de carbono.

“Não tem como avançar quando temos um olhar ‘santuarista’ para a natureza, onde não existe um sujeito quilombola, sem terra, agricultor familiar, indígena e assim por diante”, refletiu o representante do MST.

Sobre o evento

O evento foi organizado pelo MGI em parceria com a Petrobras e conta com apoio da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e da Open Society Foundations (OSF). Realizado no Centro de Pesquisa da Petrobras, no Rio de Janeiro, em 15/10, reuniu representantes de governos, empresas estatais, universidades e autoridades internacionais, marcando mais uma etapa da preparação do Brasil para sediar a COP30.

Crédito: Agência Gov

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